Um
embrião. Um bebê. Meses depois, uma criança. Um par de anos, a escola. Escola
particular ou escola pública, tendo como critério a condição financeira.
Praticamente impossível calcular quantas horas passadas na escola, mas é fato
que são suficientes. Anos passam e vêm as provas. Os pais dizem que as provas
são muito importantes, encorajam o filho a estudar. Os pais se orgulham porque
o filho se destaca, tira notas boas ou ótimas. Os pais incentivam a escolha de
uma boa universidade. O filho estuda, mesmo sem saber o que quer escolher para
o resto de sua vida. Livros, lousas, lápis, para que mesmo? Ah sim, a
universidade. O filho se forma, entra em uma universidade que havia escolhido.
Um bom emprego, quem sabe de médico ou advogado, ou entra para o Exército ou
para o serviço público. Alguns anos de muitas dúvidas depois, a universidade
chega ao fim. Talvez o filho faça uma pós-graduação. Mas sem dúvida alguma fará
exatamente o que estava determinado: procura um emprego ou segue uma carreira
segura e tranqüila. Encontra esse emprego, ou não. Geralmente, o filho começa a
ganhar dinheiro, chegam cartões de crédito e começam as compras, se é que já
não tinham começado, às custas dos ganhos paternos. Com dinheiro para gastar, o
filho vai aos mesmos lugares aonde vão os jovens com dinheiro para gastar,
conhece pessoas, conhece alguém. Muitas vezes namora e, às vezes, casa. Nem
sempre se acerta de primeira. Uma cerimônia de casamento, valsa e igreja.
Compram uma casa, pagam a prestações. A casa não tem muito, a garagem está
vazia. A vida então se torna maravilhosa porque atualmente marido e mulher
trabalham. Dois salários são uma bênção! Eles se sentem bem-sucedidos, seu
futuro é brilhante, e eles decidem comprar uns móveis, um carro, uma televisão,
tirar férias e ter filhos. O desejo se concretiza, os salários são suficientes,
mas apesar disso a necessidade de dinheiro só aumenta. O feliz casal conclui
que suas carreiras são da maior importância e começa a trabalhar cada vez mais
para conseguir promoções e aumentos. No início trabalham para ter uma vida
melhor. Com o tempo, passam a viver para trabalhar melhor. A renda aumenta e
vem outro filho... E com ele a necessidade de uma casa maior. Eles trabalham
ainda mais arduamente, tornam-se funcionários do mês. Voltam a estudar para
obter especialização e ganhar mais dinheiro. Talvez arrumem mais um emprego.
Seu filho vai para a escola, com o trabalho precisam de babá e com tanto
trabalho já não sobra muito tempo para outras coisas. Suas rendas crescem, mas
a alíquota do imposto de renda, o imposto predial da casa maior, as
contribuições para a Seguridade Social e outros impostos também crescem. Quanto
mais adquirem, mais gastam. Eles olham para aquele contracheque alto e se
perguntam para onde todo aquele dinheiro vai. Aplicam em alguns fundos mútuos e
pagam as contas do supermercado com cartão de crédito. As crianças já têm cinco
ou seis anos e é necessário poupar não só para os aumentos das mensalidades
escolares, mas também para a velhice. Exames e doenças já são mais freqüentes.
Os cabelos brancos não são mais a minoria excluída da cabeça. O feliz casal,
nascido há 35 anos, está preso. Eles trabalham para os donos das empresas,
quando obtém sucesso profissional, para o governo, quando pagam impostos, e
para o banco, quando pagam cartões de crédito e hipoteca. Então eles aconselham
seus filhos a estudar com afinco, obter boas notas e conseguir um emprego ou
carreira segura. Seus filhos seguem o conselho, se formam e entram em uma
universidade. Os filhos saem de casa, agora a casa se tornou grande demais para
apenas um casal. Mais rápido do que haviam imaginado, vem a velhice. Trabalhar
tanto para pagar as contas não é mais tão simples. Mudam para um apartamento em
um bairro tranqüilo, diminuem os gastos e o trabalho. Seus filhos conheceram as
filhas de alguém, e por sorte o namoro acabou virando algo a mais. Cerimônias
de casamento, presentes. Seus filhos finalmente estão trabalhando, o futuro
garantido. E o casal finalmente se aposenta, seu futuro chegando ao fim. Passam
os dias em casa e os dias passam rápido demais. Cem anos. Um hospital. Um
velório. Um caixão. Terra, cova, chão. Pó, um grão.
João Silva