quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Sonhadores

“Eu tenho um sonho”. Esse era o título de um discurso proferido por Martin Luther King, um homem movido por seu sonho, que seria decisivo na luta contra a segregação e o preconceito nos Estados Unidos. “Não sou nada, Não posso querer ser nada, À parte isso tenho em mim todos os sonhos do mundo” escreveu Álvaro de Campos, um heterônimo de Fernando Pessoa dotado de desilusões com a existência, que nem por isso abriu mão de ser um sonhador. Che Guevara afirmou, “Lutam melhor os que têm belos sonhos”. O que todos esses homens têm em comum? O que os diferencia dos demais? O que os aproxima entre si? As utopias.

Guimarães nos simplifica “(...) cada homem tem seu lugar no mundo e no tempo que lhe foi concedido. Sua tarefa nunca é maior que sua capacidade para poder cumpri-la. Ela consiste em preencher seu lugar, em servir à verdade e aos homens (...) espero fazer justiça a esse lugar e a essa tarefa”. A informação, transformada a partir do estudo e de vivências em conhecimento, permite que tenhamos a serenidade de continuar nossa busca e nossa luta, para construirmos “um lugar que não existe”. O conhecimento é substantivo, mais importante, entretanto, é a noção de que depende somente de nós mesmos, quando ocorre essa epifania, nada nem ninguém é capaz de nos deter.

Aos professores, agradecemos por terem nos dado o meio para atingir nosso fim. Aos pais agradecemos por terem possibilitado nosso crescimento. A ambos, agradecemos por nossa educação. Se hoje somos homens e mulheres verdadeiros, devemos isso a vocês, e se um dia atingirmos o sucesso e as grandes realizações, a vocês iremos dedicá-las. Portanto, deixamos aqui o nosso “muito obrigado”. Saímos da escola hoje com o conhecimento que adquirimos nesse período, não somente o que nos foi cobrado sob a forma de provas, mas o verdadeiro conhecimento que nos é cobrado sob a forma de ações. Hoje, somos capazes de perseguir nossos sonhos e é, por isso, nosso dever e missão alcançar e concretizar esses sonhos. Parafraseando Bertolt Bretch, “O que não sabe é um ignorante, mas o que sabe e não diz nada é um criminoso.”

Tornamo-nos Homens a partir do momento no qual realizamos nossas escolhas, e não escolher é uma escolha. “Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética”, talvez tornar-se adulto seja conformar-se, talvez seja abandonar a espada e o escudo para arrumar a gravata e abotoar o paletó. Ou seria possível tornar-se adulto sem perder a chama do ideais, dos sonhos, da luta? “Quando nasci um anjo meio torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida”. É claro que é possível, e para isso não precisamos ser Drummond, basta que não nos conformemos jamais, não desistamos nunca e não nos lamentamos pelos fracassos.

É preciso deixar de viver com as lamentações do “se”, “se eu tivesse estudado, saído, aprendido, viajado, cantado, corrido, amado”. O pretérito já passou, o futuro é nosso maior presente. Não se lamentar, somente aprender! Não se arrepender por nunca ter dado a si mesmo a oportunidade de conhecer alguém que por toda sua vida estudou na mesma escola. Não permitir que a tristeza nos domine por não ter dado o valor que nossa educação merecia. Não se abalar por jamais ter cumprimentado ou nunca dedicado uma palavra de afeto ao bom moço que abriu por anos a porta de nosso carro quando aqui chegamos, ou que recolheu a sujeira que deixamos para trás, ou que manteve o banheiro limpo. Sempre é tempo, ainda é tempo. Libertas quae sera tamem, a liberdade ainda que tardia. Ou como Vinícius traduziu “Liberta que será também”.

Já estamos caminhando por entre o sertão, nossa travessia já está acontecendo. Só é possível atar as duas pontas da vida ao percorrê-la, Bentinho devia ter percebido esse fato. “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia” escreveu o homem que acreditou ter sido um crocodilo em outra vida. Cabe a nós ir fundo no grande rio de nós mesmos, encontrar a terceira margem, ou ir de um lado para o outro, permanecer na superfície da vida. “Conhece-te a ti mesmo”, e para nos conhecer devemos conviver, conviver com pessoas, com nossos amigos.

Com os pais, professores e colegas, criamos laços. Durante o tempo que aqui estivemos, formaram-se amizades, uns nós talvez mais fortes do que outros, mas sem dúvida sempre há um nó. A vida nos proporciona o fio, cabe a nós amarrá-lo, cortá-lo ou cultivá-lo, reforçando-o. “De tudo fica um pouco”, e se a amizade não resistir ao tempo e aos deveres, ficarão as lembranças, as sensações, os “resíduos” de todos com os quais compartilhamos nossa vida.

“Eu tenho um sonho”, “tenho em mim todos os sonhos do mundo”, “lutam melhor”, “um lugar que não existe”, “o que sabe e não diz nada é um criminoso”, “é uma contradição genética”, “Vai (...) ser gauche na vida”, “é no meio da travessia”, “De tudo fica um pouco”. O que aqui criamos nem que seja um pouco, de tudo ficou... pra sempre.

Daniel Victorino