quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Elegia ao Adeus

Era uma vez um menino ou uma menina. Após alguns anos correndo e gritando pelo pátio, havia chegado ao colegial. O mito ao redor desses anos lhe fora contado por muitos. Não sabia o que esperar quando fosse procurar seu nome em um mural, para depois procurar sua classe. Colegas novos vinham tomar o lugar desocupado por antigos conhecidos, alguns ficavam e outros se tornavam amigos. Uma época de novidades e incertezas constantes. Hormônios se misturam às tentações e tudo isso dificulta o julgamento. A rotina inevitavelmente muda, assim como mudamos na velocidade das baladas alucinantes. Um mundo inteiro está estendido à nossa frente, caminhamos sobre ele nas direções que nos parecem mais adequadas, majoritariamente só pensamos quando algo que não deveria acontece. Nesses três anos passaram-se três vidas inteiras, e do que vivemos, lembraremos com nostalgia do que houve de bom e cresceremos com tudo aquilo que houve de ruim.

Ano que vem não iremos voltar das férias para o lugar que já conhecemos. Não iremos mais procurar nossos nomes no mural do pátio. Com esforço e trabalho, iremos procurar nossos nomes em outras listas. Espero sinceramente que terminemos essa busca com uma comemoração, e arrisco até sonhar: carecas. Se não for esse o cenário, é preciso que tenhamos a serenidade de continuar nossa busca e nossa luta, por mais que todos ao nosso redor queiram, depende somente de nós mesmos, e quando ocorre essa epifania, nada nem ninguém é capaz de nos deter.

Ah meus amigos! Quanta história cada um já carrega! Quanto construímos ao lado de nossos amigos! Ao nos depararmos com o fim é preciso relembrar o que foi e o que fomos, e de nossa retrospectiva retiramos o necessário para o projeto do que será e de quem seremos. É no fim que temos a consciência do que poderíamos ter feito, do que deixamos para um outro dia até que o tempo nos ultrapassou de surpresa. É preciso deixar de viver com as lamentações do “se”, “se eu tivesse estudado, saído, aprendido, viajado, cantado, corrido, amado”. O pretérito já passou, o futuro é nosso maior presente.

Não se arrependam por nunca terem dado a si mesmos a oportunidade de conhecer alguém que por toda sua vida estudou na mesma escola. Não permitam que a tristeza os domine por não ter dado o valor que sua educação merecia. Não se abalem por jamais terem cumprimentado seu professor ou seu colega, ou nunca terem dedicado uma palavra de afeto ao bom moço que abriu por anos a porta de seu carro quando aqui chegou, ou que recolheu a sujeira que você deixou para trás, ou que manteve o banheiro limpo. Sempre é tempo, ainda é tempo. É preciso levar no coração tudo que nos alegra, e reverter em ações positivas tudo o que nos entristece.

Tornamo-nos de fato adultos. Muitos já atingiram, ou em breve atingirão, a tão esperada maioridade. Nossa liberdade e nossas responsabilidades crescem à medida que somamos anos à coleção dos já adquiridos. Já não podemos ignorar que é preciso crescer, do contrário seremos insignificantes perante a vida. As possibilidades se tornam, em um sentido crescente, cada vez mais amplas e abrangentes, e cabe a nós cada vez mais decidir e construir esses caminhos. Está em nossas mãos nossa vida e até mesmo nossa morte, pois se escolhermos como viver e o que viver, não é importante escolher nem como e nem quando partir.

Tornamo-nos adultos a partir do momento no qual realizamos nossas escolhas, e não escolher é uma escolha. Completar 18 anos é uma mera formalidade e convenção social e legislativa. Somos adultos, portanto, ao mesmo tempo em que somos crianças, e isso é ser adolescente. O único momento no qual somos capazes de desfrutar do melhor dos dois mundos, se tivermos a consciência, ou permanecer vagando indefinidamente entre eles, sem a noção de si e do mundo. É preciso buscar a maioridade independentemente de esperar que essa venha com os anos, pois existem aqueles que nunca a alcançam e outros que o fazem antes de apagar suas velas pela décima oitava vez.

É preciso serenidade na hora do adeus para tornar o reencontro essencial e possível. Despedimo-nos hoje, não para sempre e de tudo, mas do que fomos juntos aqui por anos. Se houver saudade do passado, é porque o carinho é presente, esse sentimento demonstra que o tempo que tivemos foi, à sua maneira, especial particularmente. Portanto, sintam as saudades com a alegria consciente do que houve e do que ainda haverá.

Despedimo-nos hoje de nós mesmos, com o fim de um ciclo para o início de outro. Deixamos para trás o que aqui fomos, mas levaremos sem dúvida alguma, o que agora somos. As coisas terminam, isso é fato, mas a beleza do fim está presente no eterno-retorno, o ciclo se mantém. Os finais, entretanto, nunca são felizes. Criou-se assim aquilo que quando somos crianças nos contam, as histórias nas quais o final não é propriamente um fim, e na verdade uma continuidade: “e viveram felizes para sempre”. Justamente nunca ter ocorrido o fim. É preciso enxergar nosso momento como um ciclo, não como um fim em si mesmo, mas com a grandeza do mundo que se abre irremediavelmente para nós.

Os começos, pelo contrário, podem ser felizes ou tristes. Muitas vezes a percepção só acontece no fim. Olhamos agora nosso passado com ternura nos olhos, memórias e vivências, e não poderia ter sido de outra maneira. Nunca temos a exata dimensão do que ocorre até que analisamos com o olhar distanciado da posterioridade, apesar disso, é preciso buscar o olhar sensível capaz de valorizar o que deve ser valorizado e descartar o que deve ser descartado.

Agora chegou nossa vez, agora é o nosso fim aqui. Mas para nós vem o começo de outra vida, e por isso, pode e deve ser feliz. Depende de nós, como sempre dependeu e sempre dependerá. Vamos fazer desse novo começo a chance de não haver um final.

Uns se foram, outros vieram, mas a todos vocês agradeço. Sincera e plenamente agradeço por cada bom dia, cada risada, cada abraço, cada texto, cada trabalho. Agradeço por terem escolhido corajosamente vir para Humanas, e no processo, por terem me dado a enorme honra de conviver por dois anos com todos vocês. Aqueles com os quais se formou uma verdadeira amizade: mantenham-na, pois amizades verdadeiras são para toda a vida desde que nos esforcemos para que assim permaneça. Daqueles com os quais a relação foi de cordial convivência escolar, guarde um momento, uma sensação, leve consigo um pouco do outro para constituir a si mesmos e construir sua história. Deixo a vocês, meus amigos, esse último texto como tentativa de contribuir em algo, é minha elegia à própria vida. Saibam que foram e serão, cada um à sua maneira, parte ativa na constituição de minha história individual. Obrigado a todos.

Era uma vez um menino ou uma menina. Agora não são mais, são dessa vez um homem ou uma mulher. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da escola para entrar na Vida.

Daniel Victorino

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Distância

Ah como me arde a distância!

Maldita fraqueza de meu espírito ralo

Queimo em chama ardente de falta

Despedaçado pela incapacidade pura

Rasgado pela falta de serenidade

Ah como me dói a distância!

Profecia de angústia absoluta

Derrete-me em lágrimas de agonia

Destroçado por lâminas de imaturidade

Cremado pela labareda insistente

Daniel Victorino

domingo, 10 de outubro de 2010

Um grande cálice repousa sereno. O ambiente ao seu redor está silencioso. A única luz emana da semicircunferência cujo interior é preenchido por um líquido. O som é liquefeito, não há mais nada ali. A penumbra permanece em tom azul.

Um homem se percebe nesse espaço. Não se move, apenas observa. Dois passos, vislumbra o cálice luminoso. Sente seu contorno, não é frio, não é quente. Olha o líquido, vê seu reflexo. Ao ver, repara que as linhas de sua existência são constituídas de palavras.

As palavras iniciam um percurso sem lógica. Não somente na superfície, permeiam todos os planos, viram, giram, sobem e descem. Pouco a pouco desmontam-se, letras continuam em plena liberdade.

O homem ergue a mão, repousa-a sobre a cena. Com um dedo, toca a superfície. Ao erguer sua mão novamente, percebe uma fileira que sai da superfície e liga-se ao dedo, estendendo-se no ar. Recoloca as letras no líquido. Dessa vez, mergulha a mão inteira. Uma luz intensa espalha-se ali. O homem sorri.

Decidido, envolve uma palavra em sua mão semi cerrada. Puxa, abre os dedos lentamente, solta, o vocábulo permanece no ar. Investiga a flutuante palavra por alguns segundos, então, pega duas letras, devolve à sua dança no cálice. Procura outras três, retira e as encaixa, no ar continuam.

O homem então letra a letra constrói suas palavras. Ligam-se umas as outras. Frases vão surgindo. Parágrafos. O homem sorri. Era, toda aquela sala: pensamento.

Daniel Victorino