domingo, 28 de outubro de 2012

No silêncio do seu partir



Cantiga sua partindo-se - João Roiz de Castelo-Branco

“Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.

Partem tão tristes, os tristes,
tão fora de esperar bem
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.”

É o fim. Posso sentir você desaparecendo. Devagar sinto você desaparecendo. Sinto você aos poucos indo embora.  Sumindo, e indo, e indo, e indo. Sinto você lentamente partindo. Partindo sem previsão de retorno, no trem dos que vão, mas não voltam. No trem dos sem destino, e sem passado. Seu trem se vai, e a fumaça fica. Somente a fumaça... Lá se vai com sua passagem só de ida para as lembranças.
Não mais unidos, agora nosso toque se desfaz. Nossos corpos se separam, desconectados da já perdida sintonia. Estico as mãos: busco em vão. Não há nada mais aonde era tão familiar. Sem você, sem meu pedaço de mim, sem eu mesmo. Cem anos mais solitários do que o canto mais remoto do espaço. Morro um pouco no nosso adeus. Peço e choro e rezo e imploro... Suplico a Deus – Deus! Onde estás? - E de volta tenho o silêncio. Somente o adeus... No silêncio do seu partir.
No silêncio do seu partir. O silêncio do seu não estar. Do nosso não restar, do término de tudo. De nós dois nada resta, nada permanece. Vejo ao longe nossa construção desabar aos poucos. Tijolo por tijolo caindo, escorregando rumo à inevitável destruição. Enxergo com os olhos cheios de lágrimas o espetáculo do nosso apocalipse. Desabam todos os pedaços, até que nada reste. Desmorona toda a estrutura levantada por nós dois. Somente escombros. Memórias são ruínas das antigas vivências gloriosas que pela erosão do seu partir são derrubadas até nada mais restar delas senão o pó. Nada resta de nós.
Adeus meu amor. Sentimento que vivi com todos os cantos do meu ser, amor meu ao qual me dediquei por completo e entreguei-me sem ressalvas. Sem meios-termos, sem meia-paixão ou meia-intensidade. Até logo amor que me fez louco e disso hoje não resta mais do que um pouco. Resta somente a presença da sua ausência. O ficar em mim do seu partir. No constante ficar em mim do seu passar, está na certeza triste do seu não estar, o templo perdido do nosso amor inacabado. O nosso amor que foi inacabado no silêncio do seu partir.
E quantos beijos jamais serão dados? Quantos são os nossos momentos não acontecidos? Lamento por todos os futuros infinitos momentos que já são nada. Já não são, não serão, apenas seriam, talvez fossem, o que eram, já foram. E você se vai, levando consigo as metades inacabadas dos meus sonhos. Transformando as possibilidades em negativas, transformando os planos em mentira. Roubando de mim meu futuro nesse seu partir, nesse seu tão concreto e permanente partir... No silêncio do seu partir.
Que seja erguido o memorial em nome a nós dois. É o nosso fim. Sobre nosso amor que seja construída uma lápide: Aqui jaz o amor que tivemos. Criador dos sorrisos e das músicas. Que nossas imagens sejam esculpidas no mais eterno mármore, a se olharem distantes, com seus braços arqueados a buscar pelo abraço incompleto. O abraço nunca dado, que jamais será realizado, representado em pedra numa pose de eterno quase.
No silêncio do seu partir já não posso mais ouvir... O coração que antes por mim batia, tão forte, tão real, certeza concreta da realidade subjetiva. Posso ainda imaginar esse tão familiar movimento de pulsar, que relembro quando ao meu coração sinto. Vejo nas cicatrizes dos momentos a sua falta. Nas marcas deixadas pelo sentimento sei do seu sumiço. O meu estar é marcado pelo seu partir, não te sinto a cada momento no passar do meu existir.

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