Cantiga sua partindo-se -
João Roiz de Castelo-Branco
“Senhora, partem tão
tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
Tão tristes, tão
saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes, os
tristes,
tão fora de esperar bem
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.”
tão fora de esperar bem
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.”
É o
fim. Posso sentir você desaparecendo. Devagar sinto você desaparecendo. Sinto
você aos poucos indo embora. Sumindo, e
indo, e indo, e indo. Sinto você lentamente partindo. Partindo sem previsão de retorno,
no trem dos que vão, mas não voltam. No trem dos sem destino, e sem passado.
Seu trem se vai, e a fumaça fica. Somente a fumaça... Lá se vai com sua passagem
só de ida para as lembranças.
Não
mais unidos, agora nosso toque se desfaz. Nossos corpos se separam,
desconectados da já perdida sintonia. Estico as mãos: busco em vão. Não há nada
mais aonde era tão familiar. Sem você, sem meu pedaço de mim, sem eu mesmo. Cem
anos mais solitários do que o canto mais remoto do espaço. Morro um pouco no
nosso adeus. Peço e choro e rezo e imploro... Suplico a Deus – Deus! Onde
estás? - E de volta tenho o silêncio. Somente o adeus... No silêncio do seu
partir.
No
silêncio do seu partir. O silêncio do seu não estar. Do nosso não restar, do
término de tudo. De nós dois nada resta, nada permanece. Vejo ao longe nossa
construção desabar aos poucos. Tijolo por tijolo caindo, escorregando rumo à
inevitável destruição. Enxergo com os olhos cheios de lágrimas o espetáculo do
nosso apocalipse. Desabam todos os pedaços, até que nada reste. Desmorona toda
a estrutura levantada por nós dois. Somente escombros. Memórias são ruínas das
antigas vivências gloriosas que pela erosão do seu partir são derrubadas até
nada mais restar delas senão o pó. Nada resta de nós.
Adeus
meu amor. Sentimento que vivi com todos os cantos do meu ser, amor meu ao qual me
dediquei por completo e entreguei-me sem ressalvas. Sem meios-termos, sem
meia-paixão ou meia-intensidade. Até logo amor que me fez louco e disso hoje
não resta mais do que um pouco. Resta somente a presença da sua ausência. O ficar
em mim do seu partir. No constante ficar em mim do seu passar, está na certeza
triste do seu não estar, o templo perdido do nosso amor inacabado. O nosso amor
que foi inacabado no silêncio do seu partir.
E
quantos beijos jamais serão dados? Quantos são os nossos momentos não
acontecidos? Lamento por todos os futuros infinitos momentos que já são nada.
Já não são, não serão, apenas seriam, talvez fossem, o que eram, já foram. E
você se vai, levando consigo as metades inacabadas dos meus sonhos.
Transformando as possibilidades em negativas, transformando os planos em mentira.
Roubando de mim meu futuro nesse seu partir, nesse seu tão concreto e
permanente partir... No silêncio do seu partir.
Que
seja erguido o memorial em nome a nós dois. É o nosso fim. Sobre nosso amor que
seja construída uma lápide: Aqui jaz o amor que tivemos. Criador dos sorrisos e
das músicas. Que nossas imagens sejam esculpidas no mais eterno mármore, a se
olharem distantes, com seus braços arqueados a buscar pelo abraço incompleto. O
abraço nunca dado, que jamais será realizado, representado em pedra numa pose
de eterno quase.
No
silêncio do seu partir já não posso mais ouvir... O coração que antes por mim
batia, tão forte, tão real, certeza concreta da realidade subjetiva. Posso
ainda imaginar esse tão familiar movimento de pulsar, que relembro quando ao
meu coração sinto. Vejo nas cicatrizes dos momentos a sua falta. Nas marcas
deixadas pelo sentimento sei do seu sumiço. O meu estar é marcado pelo seu
partir, não te sinto a cada momento no passar do meu existir.
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