quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Afogando

Eu não sei. Eu não sinto. Eu não sou. É só água. Vai me pegar e quer me afundar. Há tempos é tudo o que eu vejo. Não é real. O que é a realidade? Leva tempo pra ver, o que é real. Quero sentir, só queria ser capaz de sentir. Como eu sentia antes. Tento e acabo no fundo, pesado e incapaz de nadar. Cada vez mais fundo.

Manhãs em que eu não posso respirar. A onda bate sobre mim, faz perder entre os dentes o ar. É salgado. Mentes que correm dentro da minha. Cordas ao redor de mim; estou preso, braços e pernas sem movimento algum. Quero sentir, como eu sempre quis. Como eu nunca senti antes. Por que vista de fora a água é tão azul, e aqui dentro tudo é tão escuro? Pra onde foi todo aquele azul? O frio é cortante e as correntezas são constantes. Não há ar pra respirar.

O tempo muda coisas. Por que colocamos tal artigo antes de tamanha indefinição? Não é “o” tempo, só há nem “um” tempo! Como eu nunca pensei? Como eu nunca vi? Um tempo me muda, devo eu também ser coisa. Sempre é tempo de mudança. Quando pensamos que temos poder, mudamos sem querer. Não há tempo a perder. Sou levado sem norte, conduzido pela maré. Somos minúsculos diante do infinito azul. Onde está o salva-vidas?

Estou olhando para a praia, daqui é um grão de areia. Como eu nunca fui? Talvez o problema esteja em mim. Eu sou o problema? Afogo-me em tantas perguntas, não existem respostas para me boiar. Preciso encontrar um meio de navegar. Aqui embaixo não tem ar, e sem ar, não consigo falar. Abro a boca, mas não sai nada. Só encho-me de água, me engasgo, me afogo. Estou calado e Não me basto eu mesmo; nem olhar para tanto nada. Muito menos imaginar quem serei. A grande pergunta é: quem sou este?

Eu vejo meu rosto no chão. Meu rosto em cada parede. No teto. Tenho meu rosto nas mãos, está deformado e não tem expressão. Esse rosto não é meu. Essas mãos não são minhas. Quem é esse? Já não me dá pé. Não há ninguém. Não me estendem alguma mão. Eu vi isso antes, e vou ver isso de novo. Isso é inevitável. Aqui é fundo demais e nenhum outro some tão fundo.

Barulho na porta. Está trancada por fora. Batendo em minha porta é a água. E eu nunca finjo, é difícil fingir para outros. É impossível fingir para nós mesmos. Sei muito bem que veio me afogar. Eu estou em meus joelhos e não sei onde. O cadeado vacila e a porta é arrancada, uma enxurrada vem e envolve tudo. Todas as coisas dançam e rodam em todas as direções molhadas. Sou arrastado junto a tudo, mas estou sozinho. O sol fica cada vez mais longe, pequeno, fraco, frio. Aqui não há dia, nem luz, somente a liquidez de noite.

Vou achar meu caminho pra casa? Eu ainda não tenho nenhum lugar pra ir. Muitos por aí, como eu, não moram em suas casas. Muitos moram, mas não tem um lar. Outros infelizes nem moram. Que morram! De certo as chuvas virão buscá-los e para algum buraco arrastá-los. Uma cova qualquer. Salvem-se quem puder. Olhe para os lados! Tudo é água! Nem sete, nenhum, só mar. Chorar? Chorar só eleva o nível do mar.

Agora parece que estou desaparecendo. Todos os meus sonhos não são a salvação suficiente, são bolhas fugindo e partindo rumo ao indefinido, subindo e subindo. Vou descendo e descendo e descendo. Meus olhos estão abertos ou fechados, não existe diferença. Eu tenho feito minha parte de esperar e eu continuo sem ter nenhum lugar para ir. Cada vez mais longe, me leve para baixo, me empurre para baixo. Acima de mim tudo pesa, prende, pressiona. Abaixo me espera. Eu não sei mais. Eu não sinto mais. Eu não sou mais. Não é mais só água. Eu estou me afogando.

Daniel Victorino

2 comentários:

  1. Belo texto cara, de verdade. parabéns!
    a relação de agonia e desespero com o mar dá uma sensação de sufocamento, de afogamento. Acho que voce conseguiu transmitir muito bem essa idéia com as palavras. Continua assim irmão AP,
    Abraços! Pedro Gil

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