segunda-feira, 27 de maio de 2013

Tristeza


Foi decretado o fim. Com algumas palavras põe-se fim a uma vida. Mata-se o presente, o passado e o futuro. Mata-se o agora, o antes e o depois. Termina-se a chance, a certeza, o abraço, o romance. Fica apenas o meio, o meio de um caminho, o meio entre a partida e a chegada. Sobre somente o meio entre o tudo e o nada, entre o antes e o depois, entre o ser e o não existir. Resta simplesmente o quase entre duas coisas, o entre estar e não estar. Sobram as sobras, restam os restos, permanece a não permanência.
As poucas palavras que constituem o Decreto do Fim são suficientes para me derrubar no chão. Sinto os músculos falharem, a visão embaça, a respiração ofega, e definho lentamente, o corpo falhando pouco a pouco, perco-me devagar, até atingir o chão. Sem a força para me mover, sinto surgir um pequenino ponto no centro do meu peito. Com a dimensão e presença física de uma gotícula, apenas uma simples gota de tristeza.
À medida que passam os segundos sinto a gota se espalhar, e o que era antes insignificante vai lentamente se expandindo. A cada memória, a cada lembrança, a tristeza agora já um fluxo constante continua a dominar-me. Seu peso antes insignificante da dimensão de milímetros, agora já tomou todo meu peito. Sinto meus órgãos tomados, e uma pressão inexplicavelmente esmagadora me deixa ainda mais imóvel.
Que terrível maldição humana é essa de pensar. De incontrolavelmente, absolutamente, sempre pensar. Pensar até sobre o fato de não querer pensar. Não controlo, pois, esse constante ato de mover minhas sinapses e constantemente realizar raciocínios. E a cada pensamento a tristeza torna-se mais forte, e mais quente sobre mim. Meus pensamentos são o combustível que dá força e sustenta o crescimento dentro de minhas entranhas para esse insaciável predador.
Estou fitando o vazio e meu rosto está colado ao chão. Já sinto todos meus órgãos tomados inexoravelmente pelo maldito veneno da tristeza. A dor já é tamanha que não consigo suprimir barulhos de minha agonia. Sinto que estou queimando por dentro, pois a tristeza para crescer necessita me consumir, queimar-me para arder. Meus órgãos, e músculos, e ossos... Ardem a cada pensamento e são destruídos pelo progresso desse maldito sintoma que é a tristeza.
Após ter me tomado internamente por completo a tristeza inicia seu assassino progresso para fora do meu corpo. Sinto minha pele arder, a queimar, e cada vez mais forte. Até que então, finalmente, entro em chamas. Agora não faço mais barulhos de dor e na verdade grito, um grito a plenos pulmões com uma força sobre humana de meus pulmões já destruídos. E o eco feito pelo vazio que me circunda faz com que eu escute mil homens que gritam em agonia. Minha pele se retorce com as chamas é puxada, despedaçada, consumida.
Meu rosto é engolido pelas chamas. Meu nariz, minha boca, meus olhos, queimam com o fogo negro da morte que é o fogo da tristeza. Meu rosto se deforma e num desespero impotente rolo pelo chão e levo o que restou das mãos ao encontro da minha monstruosa face na tentativa de apaziguar a sensação.
Escuto um milhão de homens que me cercam por todos os lados gritaram em um milhão de línguas num delírio de realidade suprema. Por fim sinto que minha alma está queimando, e a dor é maior do que quando foi destruído meu corpo. A cada instante sinto-me desfazer por dentro, sumindo e queimando cada pedaço de quem já fui, cada lembrança, cada presença.

Fico então de joelhos e consigo levantar meu tronco a ponto de virar minha cabeça para o alto. Com os braços esticados para os lados grito o último dos gritos, mais alto que um milhão de homens ao meu redor, o grito do desfazer-se de uma alma. Em cinzas pretas que levitam e se espalham devagar sumo e perco-me pelo espaço. Em pequenos átomos pretos que me levam e fazem com que eu me desfaça. Somem então os gritos, e qualquer resquício de qualquer existência naquele espaço vazio. E pelo espaço espalham-se os pequenos pontos negros levando a tristeza, para o alto, para cima, para longe, para o nada.

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